Mudar a Lei Internacional: Guerra Urbana e Imunidade Diplomática


Os humanos são criaturas de medo. Têm medo da instabilidade e da mudança. A natureza inalterável da Lei Internacional é puro reflexo desses medos e, assim, o mundo ainda é governado através de Instrumentos Legais escritos há mais de 40-100 anos, apesar da evolução da sociedade, de comportamentos e de cenários políticos.

Toda a lei tem de reconhecer que a sua permanência numa determinada forma é uma impossibilidade – A. Pearce Higgins

A Lei internacional tem de ser revista em vários campos, mas por ora concentrar-me-ei em dois somente: a Lei da Guerra e a Convenção de Viena para as Relações Diplomáticas de 1961 (com ênfase na Imunidade Diplomática).

A Lei da Guerra

A Lei Internacional para os Conflitos Armados não prevê a Guerra Urbana – i.e. um conflito armado não-convencional entre Estados e Grupos Terroristas – logo, a Guerra não-Convencional não pode ser analisada, nem julgada, da mesma maneira que as Guerras Convencionais.

Numa guerra convencional (um conflito armado entre dois Estados), ambas as partes do conflito obedecem às regras internacionais de guerra; enquanto que numa batalha não-convencional, uma das partes (geralmente o Grupo Terrorista) não só viola a lei internacional como também abusa dela em benefício próprio.

Ao não se rever a Lei Internacional para que esta se ajuste a novas realidades bélicas, corremos o risco de legitimar Organizações Terroristas ao colocá-las no mesmo patamar que as Forças Militares do Estado. 

A ausência de uma distinção clara entre a Guerra Convencional e não-Convencional fez com que grupos terroristas encontrassem maneiras de serem incorporados nas Forças Armadas do Estado para obterem legitimidade (e.g. Hezbollah nas forças Libanesas e o Hamas nas forças da AP/OLP [ainda que a Autoridade Palestiniana seja supostamente uma entidade desmilitarizada conforme os Acordos Internacionais]).

As Forças Armadas do Estado seguirão quatro princípios fundamentais das leis da guerra:

  • Necessidade Militar: para permitir o emprego da força necessária para atingir os objectivos militares. 
  • Distinção: para fazer distinção entre combatentes e alvos militares (i.e. que podem ser atacados) e civis e objectos civis (que não podem ser intencionalmente atacados). 
  • Proporcionalidade: para reconhecer a possibilidade de que civis e objectos civis possam ser atingidos (como dano colateral), desde que o antecipado dano colateral não seja excessivo em relação à vantagem militar concreta e directa que se tenha antecipado no ataque. 
  • Humanidade: para se referir à obrigação de evitar acções que possam causar danos ou sofrimento desnecessários (i.e. os efeitos das hostilidades na população civil deverá ser minimizada).

Um Grupo Terrorista fará exactamente o contrário:

  • Necessidade Militar: o uso da força é a única forma de atingir os seus objectivos. Meios pacíficos não são uma opção e as negociações são somente uma desculpa para rearmar e reorganizar. 
  • Distinção: não há diferença entre combatentes, alvos militares, civis e objectos civis – qualquer alvo é justificável para espalhar terror e coagir os estados a se submeterem às suas exigências. 
  • Proporcionalidade: não há diferença entre dano e efeito secundário; porque qualquer dano (letal ou outro) é o objectivo do conflito. A Proporcionalidade é uma palavra usada aleatoriamente na Propaganda contra as Forças Adversárias, ainda que estas se vejam obrigadas pelas leis dos conflitos armados. Os Grupos Terroristas usam força desproporcional ao mesmo tempo que acusam o outro lado de serem desproporcionais. 
  • Humanidade: os efeitos das hostilidades na população civil têm de ser maximizadas. A mais recente táctica inclui atacar as forças Policiais – um compromisso entre alvos civis e militares – de modo a evitar uma declaração de guerra completa (mais uma brecha legal gerada por Leis Internacionais obsoletas). 

Como é que se pode julgar a Guerra Urbana sob tais condições?

Os Tratados e convenções são feitos para serem cumpridos, mas chega uma altura em que nem eles mais respondem a factos existentes . - A. Pearce Higgins

E como poderá qualquer Tribunal Internacional aceitar ouvir os argumentos de Entidades Terroristas Híbridas, como a AP/OLP, quando a lei não toma em consideração os Conflitos Armados não-Convencionais?

Imunidade Diplomática

Esta provisão, presente na Convenção de Viena para as Relações Diplomáticas de 1961 (Artigos 29º ao 37º), é basicamente uma garantia de que os agentes Diplomáticos ou membros da sua família imediata gozam de privilégios e imunidades, significando que:

  • Não podem ser presos nem detidos
  • Não podem ser sujeitos a raides policiais, nas suas residências
  • Não podem ser intimados a testemunhar
  • Não podem ser indiciados

Contudo, esta Convenção presume que os agentes Diplomáticos e os seus familiares imediatos são suficientemente idóneos para nunca abusar da sua imunidade e cometer um crime. Mas muitos não são, e a Convenção não contém nenhum artigo que proteja a integridade e habilidade, do Estado Acreditador, para exercer a Obrigação de Proteger (os seus cidadãos e os estrangeiros presentes no seu território).

Exemplos de Abusos

A- Quando um agente diplomático abusa fisicamente do seu filho, filha, e/ou mulher ele não pode ser preso nem indiciado pelo crime de Violência Doméstica no Estado Acreditador. A Lei Internacional presume que o Estado Acreditante fá-lo-á, mas quando temos países em que bater na mulher e nos filhos é um direito, como é que a Lei Internacional espera que o Estado Acreditador proteja os direitos básicos (à vida e segurança) dessas mulheres e crianças?

B- No ano passado, em Portugal, os filhos do Embaixador Iraquiano agrediram fisicamente um adolescente português, deixando-o em coma. Os dois rapazes gabaram-se do acto nas redes sociais, e porque tinham imunidade as autoridades não puderam nem prender nem processar os bandidos. Perante a recusa do Iraque em levantar a imunidade diplomática do pai, e dos jovens, Portugal viu-se forçado a declará-los Personae non Gratae – mas que mensagem é que foi enviada? De que se o vosso papá for um agente diplomático poderão cometer crimes e escapar impunemente.

C- Diz-se que, por exemplo, há países africanos (ex-colónias portuguesas) a fazer lavagem de dinheiro através de malas diplomáticas. Drogas também estarão a ser traficadas através do mesmo meio. Mas como estas malas não podem ser submetidas a revista, os crimes estão a ser cometidos em absoluta impunidade.

Os exemplos são vários e, logo, a lei precisa de ser revista para que seja ajustada à realidade no terreno. A. Pearce Higgins, em The Binding Force of the International Law, disse:

Mudanças devem ocorrer de vez em quando nas relações contratuais entre os estados, e é em relação à derrogação e denúncia de tratados que se levantam questões difíceis. 

Mas se tudo o que precisamos é de derrogação e denúncia de tratados para garantirmos a segurança, o bem-estar e os direitos básicos das pessoas (cujos interesses devem ser primariamente servidos pelos Estados), então coloquemos essas difíceis questões e façamos as mudanças apropriadas e necessárias à Lei Internacional. Está na hora.

(Imagem: O Pé em Movimento - Jenö Barcsay)

[As opiniões expressadas nesta publicação são somente aquelas do(s) autor(es) e não reflectem necessariamente o ponto de vista do Dissecting Society (Grupo ao qual o Etnias pertence)]

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